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Saturday, February 24, 2007

Narciso

Deitou-se e tentando matar a sede,
Outra mais forte achou. Enquanto bebia,
Viu-se na água e ficou embevecido com a própria imagem.
Julga corpo o que é sombra, e a sombra adora.
Extasiado diante de si mesmo, sem mover-se do lugar,
O rosto fixo, Narciso parece uma estátua de mármore de Paros.
Deitado, contempla dois astros: seus olhos e seus cabelos,
Dignos de Baco, dignos também de Apolo;
Suas faces ainda imberbes, seu pescoço de marfim,
A boca encantadora, o leve rubor que lhe colore a nívea pele.
Admira tudo quanto admiram nele.
Em sua ingenuidade deseja a si mesmo.
A si próprio exalta e louva. Inspira ele mesmo os ardores que sente
É uma chama que a si próprio alimenta.
Quantos beijos lançados às ondas enganadoras!
Para sustentar o pescoço ali refletido, quantas vezes
Mergulhou inutilmente suas mãos nas águas.
O mesmo erro que lhe engana os olhos, acende-lhe a paixão.
Crédulo menino, por que buscas, em vão, uma imagem fugitiva?
O que procuras não existe. Não olhes e desaparecerá o objeto do teu amor.
A sombra que vês é um reflexo de tua imagem.
Nada é em si mesma: contigo veio e contigo permanece.
Tua partida a dissiparia, se pudesses partir...
Inútil: sustento, sono, tudo esqueceu.
Estirado na relva opaca, não se cansa de olhar seu falso enlevo,
E por seus próprios olhos morre de amor.


Ovídio – Metamorfoses, 3, 414-428

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