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Saturday, March 03, 2007

À sombra das raparigas em flor

- Tem sido bem tratado? – perguntou-me Bergotte. – Quem é o seu médico?
Disse-lhe que recebera a visita do Dr. Cottard, o que certamente se repetiria.
- Mas não é o que lhe convém – respondeu-me. – Não o conheço como médico. Mas vi-o em casa da Sra. Swann. É um imbecil. Supondo que isso não impeça de ser um bom médico, o que me custa crer, impede que seja um bom médico para artistas, para pessoas inteligentes. As pessoas como você precisam de médicos adequados, diria até de regimes, de medicamentos particulares. Cottard o aborrecerá, e baste o tédio para impedir que o tratamento seja eficaz. E além disso, esse tratamento não pode ser para você o mesmo que para um indivíduo qualquer. Três quartos do mal das pessoas inteligentes provêem da sua inteligência. É-lhes necessário pelo menos um médico que conheça esse mal. Como quer que Cottard possa tratá-lo? Ele previu a dificuldade de digerir os molhos, as perturbações gástricas, mas não previu a leitura de Shakespeare...

PROUST, Marcel. À sombra das raparigas em flor; tradução de Mário Quintana. São Paulo, Abril Cultural, 1894. pg. 117/118